quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

“Princípios do falar e do ouvir, compõem as etapas básicas da reflexão científica”


Márcia Oliveira




“Suponde agora, ... que vá ter convosco, falando em línguas: como vos serei útil, se a minha palavra não vos levar nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento? O mesmos se dá com os instrumentos musicais, como a flauta ou a cítara: se não emitirem sons distintos, como reconhecer o que toca a flauta ou a cítara? ... Assim todos vós: se vossa linguagem não se exprime em palavras inteligíveis, como se há de compreender o que dizeis?... Ora, se não conheço a força da linguagem, serei como um bárbaro para aquele que fala e aquele que fala será como um bárbaro para mim.”

(I Coríntios, 14: 6-11)


A comunicação com as pessoas a nossa volta obedece a pequenos princípios de conduta para se estabelecer de forma satisfatória.

O primeiro princípio básico de uma boa comunicação é que enquanto um fala o outro deve ouvir. Parece brincadeira, mas esse princípio é importantíssimo. Tão importante que tem um “ditado” popular que o relembra. Quem não conhece a famosa e jocosa frase “Quando um burro fala, o outro murcha as orelhas.”

Mas escrever é mais complicado, já o dizem os psicólogos, lingüistas e demais estudiosos da aquisição das linguagens, falada e escrita, que ainda definem tempos e áreas cerebrais diferentes para suas aquisições (Vygotsky, 1991; Luria, 1991, 1992; Piaget, 2001; Luria & Yudovich, 1987).

Nunes (2008), relembra-nos com Rubem Alves e Nietzsche, sobre a dor e o sangue implícitos nesse processo. “[...] O conflito decorrente da relação do homem com o seu meio natural ou social gera dor, a qual força o homem a sonhar outras possibilidades.” (p.74)

Pra começo de conversa, lembrem que primeiro aprendemos a falar. E, essa aprendizagem, comparada a escrita, ocorre bem rápido em nossa vida, em media lá pelos dois anos, dois anos e meio, a maioria de nós já encanta os adultos a sua volta imitando-lhes os sons mais específicos e definidos em ‘palavras com significado’ da comunidade a qual faz parte. (Vygotsky, 1993; Piaget, 2001).

Vejam que essa característica, que é somente da espécie humana, não é simplesmente uma imitação, já que “sem o aparelho fonador” próprio e específico da espécie (Catania, 1999) essa bela e aparentemente, ‘simples façanha’, não seria possível. Assim, só muito depois e com uma aprendizagem específica é que aprendemos e, mesmo, dominamos a linguagem escrita. Já que os estudiosos diferenciam os escritores proficientes dos ‘analfabetos funcionais”.

Existem ainda as questões sociais, culturais, emocionais ou motivacionais que permeiam e estabelecem o nosso pensar e fazer nessa linguagem. Em seu livro, “A construção da mente”, Luria, nos relembra que no começo do século passado, Durkheim “colocava que os processos básicos não são manifestações da vida interior do espírito, ou simples resultado da evolução natural: a mente se origina na sociedade.” (Luria, 1992, p.63). Esse aspecto é também apontado como um processo de desenvolvimento reflexivo paralelo, por Vidal em seu texto, “A ciência e seus procedimentos: Elaborando projetos e redigindo seus resultados” (plataforma on-line do Curso). Onde o autor nos alerta que,

“Todos nós fomos formados dentro do espírito de nossos tempos, passando por uma experiência acadêmica, na qual somos socializados não apenas com os valores que embasam essa modalidade de conhecimento, mas também com os seus procedimentos e práticas...”,

Mas não falaremos dessa característica aqui, agora.

Veja que essas linguagens são tão diversificadas e importantes para nós que sua própria aquisição, utilização e domínio também o é. Observem que sem uma aprendizagem específica uma pessoa por mais que utilize com clareza e fluentemente a linguagem falada, pode ficar anos sem fim olhando os signos da linguagem escrita de seu idioma pátrio sem distinguir o “o” do “a”. Isso é muito sério. É preciso pertencer a “arte de tecer redes” para pertencer a “confraria” dos fabricantes de redes (Rubens Alves, In Vidal, 2009)

Mas começamos aqui a falar sobre escrita científica, por que ela se diferencia das demais? Afinal, já aprendemos a falar, escrever e, aqui no nosso Curso, a partir das leituras dos pensadores que buscam através da reflexão filosófica nos mostrar as influências e tendências do nosso pensar, aprendemos muito mais.

RECAPITULANDO:

1º princípio: ‘Calar quando o outro fala. Falar quando o outro se cala.’

Para que isso ocorra é preciso também saber ouvi e/ou ter paciência par ler.

Traduzindo em linguagem escrita: escrever literalmente e anotar a fonte, quando o que leio de outro autor, sobre o assunto que pesquiso, ‘diz tudo sobre o que pensava’ ou gostaria de entender e, em contra-partida, comentar sobre o mesmo, respeitando a idéia do outro e, quando couber, acrescentando algo novo que eu refleti a partir dessa leitura prévia e ‘providencial’.

De tal forma que aquilo que se fala deve ser entendido com clareza e até repetido por outros que ouvem e/ou lêem depois.

“A ciência é uma disposição de aceitar os fatos mesmo quando eles são opostos aos desejos. ... somos propensos a ver as coisas tal como as queremos ver, em vez de como elas são; [...], graças a Sigmund Freud, somos hoje muito mais cônscios das deformações que os desejos introduzem no pensar. O oposto do “pensar querendo” é a honestidade intelectual.” (Skinner, 1994, p. 25)

Nossas observações e pesquisas nem sempre terão os resultados que desejamos ou almejamos, entretanto, devemos manter suas características para poder reformular e/ou entender seus resultados.

Sobre o assunto a ser pesquisado, Beureu coloca que,

Para que fique clara e precisa a extensão conceitual do assunto, é importante situá-lo em sua respectiva área de conhecimento, possibilitando, que se visualize a especificidade do objeto no contexto de sua área temática. (Beureu, 2009, In: Vidal, Plataforma on-line da disciplina)

Fiquei a pensar, hoje ultrapassamos a confraria da pesca, fundamos também a confraria da caça, a confraria dos satélites e a confraria das confrarias que reconhece cada uma em suas especificidades e até subjetividades.

E agora, como escrever utilizando a ‘metodologia científica’, a necessária reflexão filosófica e principalmente, o meu refletir sobre tudo isso, sem cair literalmente no engodo da falácia e ou no determinismo rígido da técnica?

Saindo de um processo estático e se moldando a um processo de construção, dinâmico e possibilitador...

Acho que ninguém poderá responder essa questão senão, cada um de nós, para si mesmo. E como? Escrevendo. Lendo. Escrevendo...

Vamos lá!



REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 1998.

CATANIA, A. Charles. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed, 1999.

GOULART, Iris Barbosa. Piaget: Experiências básicas para utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 2001.

LURIA, A. R. A construção da mente. São Paulo: Ícone, 1997.

NUNES A. Vidal. Corpo, linguagem e educação os sentidos no pensamento de Rubens Alves. São Paulo: Paulus, 2008.
___________. A ciência e seus procedimentos: Elaborando projetos e redigindo seus resultados” . NEAAD/UFES Plataforma on-line do Curso: Dimensões da Humanização: Filosofia, psicanálise e medicina.

SKINNER, B.F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, ,1994.

UNIVERSIDE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Biblioteca Central. Normatização de referências: NBR 6023:2002. Normatização de trabalhos Científicos e acadêmicos. Vitória, 2006.

VYGOSTSKY, L. S. A formação social da mente. Martins Fontes, São Paulo, 1991.

____________ Pensamento e Linguagem. Martins Fontes, São Paulo, 1993

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